entrada: Condições Gerais

Um percurso, dois sentidos

a Colecção do MNAC-MC, da actualidade a 1850

2010-03-18
2010-06-13
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Núcleos

Contemporaneidade

A exposição Depois do Modernismo, realizada em 1983 com coordenação de Luís Serpa, é frequentemente referida como o evento fundamental para a entrada da arte portuguesa na pós-modernidade.

Apesar das intenções de clivagem com o pensamento e prática modernistas da arte portuguesa, a exposição não teve os efeitos esperados, faltando ao ambiente institucional e educativo a capacidade estrutural de desenvolver um novo discurso artístico e crítico, que só na década de 90 permitiria novos desenvolvimentos.

A década de 80 é assim marcada por um “retorno à pintura”, por um neo-expressionismo situacionista com os Homeostéticos (Pedro Proença, Pedro Portugal, Xana, Manuel João Vieira, Ivo e Fernando Brito) e por uma reformulação da escultura, segundo a influência do neo-objectualismo com Rui Sanches, Pedro Cabrita Reis e José Pedro Croft. Ângela Ferreira protagoniza a abordagem mais contemporânea à ideia de escultura operante, em que a materialidade é analisada como uma projecção do meio envolvente nas suas formulações sociais e políticas, enquanto João Pedro Vale, já na década de 90, irá explorar os conteúdos da identidade nacional e de género.

A fotografia vai ser cada vez mais um espaço de reformulação de muitos dos conceitos artísticos da modernidade, designadamente com os Encontros de Fotografia de Coimbra, realizados a partir de 1980, que trouxeram uma vitalidade e possibilidade de encontro internacional da fotografia portuguesa. Jorge Molder e Júlia Ventura protagonizam dois momentos diversos e de clivagem no modo como a auto-representação formula novas interrogações, em ruptura com as modalidades figurativas da modernidade. João Tabarra e Augusto Alves da Silva expandiram os limites formais e documentais da fotografia, inserindo preocupações de ordem social e política no discurso artístico.

A década de 90 seria ainda marcada pela emergência de uma linguagem multimédia profícua e basilar para a afirmação da contemporaneidade na arte portuguesa, como é o caso dos artistas Alexandre Estrela ou João Onofre, em cujos trabalhos o vídeo se apresenta como um espaço crítico e artístico de grande diversidade, abarcando esferas tão diversas como as da percepção ou da cultura popular.

(E.T.)

Através do século XX: continuidades e rupturas

O sentido inovador do primeiro modernismo, informado pelas vanguardas europeias, deriva, nos anos 30, para um conjunto de propostas artísticas que a “política de espírito” de António Ferro procurou harmonizar com o ideário do regime. Apesar de uma relativa conformação, os percursos individuais de artistas como Almada Negreiros ou Mário Eloy garantiram a continuidade do projecto moderno.

O olhar sobre a paisagem liberta-se do persistente legado naturalista, para representar lugares abandonados e inquietantes (Dominguez Alvarez) ou traduzir o desejo moderno de cosmopolitismo, mesmo quando conjugado com a escala íntima e local da cidade (Carlos Botelho). A abertura da paisagem a novos sentidos plásticos e conceptuais surge também como uma via para a abstracção (Fernando Lanhas). Nas décadas de 50 e 60, o lirismo abstracto de Vieira da Silva coexiste com a abstracção geométrica ensaiada por Joaquim Rodrigo e explorada no limite espacial por Nadir Afonso, enquanto, na escultura, Jorge Vieira procura a síntese formal através da desmaterialização.

Paralelamente, nos anos 40 e 50, as pesquisas surrealistas de António Dacosta, Fernando Azevedo, Marcelino Vespeira ou Mário Cesariny apontam novos caminhos a partir da figuração. As questões sociais adquirem também, no contexto da Segunda Guerra Mundial, relevância nas artes plásticas, estando na génese do movimento neo-realista de que Júlio Pomar é um dos principais representantes.

Depois das experiências surrealistas e neo-realistas, a tensão narrativa ganha contornos inéditos com a nova figuração dos anos 60, sendo a obra de Paula Rego Self-Portrait in Red (c. 1962) exemplar da ambiguidade entre ficção, sonho e autobiografia. As décadas de 60 e 70 representam um período de acentuada transformação na arte portuguesa que acompanha, desde então, os movimentos contemporâneos internacionais, como bem demonstram os trabalhos de Lourdes Castro, René Bértholo ou Julião Sarmento. O questionamento dos géneros artísticos, com os experimentalismos nas áreas do filme, da fotografia, performance e instalação, a redefinição do estatuto do artista e do público, ou a fronteira entre arte e objecto são temas preponderantes. A par dos novos caminhos da abstracção (Jorge Pinheiro, Pires Vieira e Ângelo de Sousa), a poética do corpo e da auto-representação é assumida como um tema primordial da arte do século XX, tendo na obra de Helena Almeida um dos seus exemplos mais eloquentes.

(H.B.)

Vias do modernismo

As permanências de narrativas rurais, exploradas pelos artistas de uma tardia linha naturalista, em idílicas e imutáveis perspectivas dos modos de estar do povo, reflectem a situação do país, tradicionalmente agrária. Esta rusticidade pitoresca, ligada a uma pretensa identidade nacional, deformava a opinião pública artística e criava descontinuidades no desenvolvimento da arte moderna portuguesa.

Os artistas modernistas, em inícios do século XX, raramente integrados nos circuitos artísticos e museológicos, decidem-se por Paris, como é o caso de Amadeo de Souza-Cardoso, representado no Museu por um reduzido núcleo de obras. Cabeça (c. 1913-15), de expressivas e sintetizadas linhas, destaca o domínio do pictórico, em planos inacabados e autónomos ao desenho da máscara. Almada Negreiros deteve-se em Madrid, no início da sua carreira, e realizou uma obra singular nas decorações do Teatro Muñoz Seca (1929).

No país, a reacção dos artistas modernistas a este contexto nacional adverso estabelece-se em tertúlias, nos cafés e clubes nocturnos, Brasileira do Chiado e Bristol Club, onde se expunham as suas inovadoras propostas. O Nu, de Eduardo Viana (1925), peça decorativa deste club, expressa um sensualismo invulgar na arte portuguesa e serve-se da cor para construir planos e volumetrias de referência cezanniana.

O modernismo, manifestamente marcado por um alinhamento com as vanguardas internacionais, tanto nos anos 10, como em algumas concretizações expressionistas de Mário Eloy (Menino e varina, 1928), amplamente criticadas, submete-se a um equilíbrio classicista, nos finais da década, de acordo com o novo contexto ideológico.

(M.A.S.)

Na viragem do século: narrativas naturalistas e modernidade

Silva Porto e Marques de Oliveira apresentam propostas de modernidade, em 1879, inspiradas nas paisagens naturalistas da Escola de Barbizon (Charneca de Belas ao pôr-do-sol, Silva Porto) e próximas das vanguardas internacionais, de Manet ou Boudin (Praia de banhos, Marques de Oliveira, 1884). No entanto, os inovadores efeitos luminosos e cromáticos cedem lugar a cenários de uma casticidade ensolarada, em narrativas "veristas", sequenciais à temática de costumes da geração romântica (Volta do mercado, Silva Porto, 1886), mas raramente citadinas ou burguesas (Praia das   Maçãs, José Malhoa, 1918).

Por oposição a esta idealizada imagem de ruralidade do povo português, distingue-se o retrato, afirmação individual de valores burgueses, em criativas construções cromáticas, próximas dos naturalismos de “ar livre” (Retrato de Abel Botelho, António Ramalho, 1889). Columbano Bordalo Pinheiro, pioneiro do realismo, introduz no retrato um discurso de modernidade, assinalado pela imagem de referência, algo simbolista, do poeta Antero de Quental, visionado como um espectro que presentifica o torturado espírito decadentista de finais do século XIX e dos “Vencidos da vida”. É nesta viragem de século que se situa a escultura de Soares dos Reis, síntese de valores românticos, classicistas e de inovadoras propostas naturalistas (O desterrado, 1872) introdutoras de uma pré-modernidade.

No início do século XX, Nocturno, de António Carneiro (1910), trata uma inovadora autonomia do pictórico através de um intenso verde-escuro luminoso que se espalha por toda a superfície do quadro. Assim, este núcleo termina com uma pintura ligada a poéticas simbolistas, longe dos processos narrativos de representação e dos valores atmosféricos naturalistas, numa ousada proposta de modernidade, de um singular monocromatismo, ausente de referentes figurativos.

(M.A.S.)

Paisagem, costumes e retrato na segunda metade do século XIX

A novidade da pintura captada “do natural” garante o sucesso do quadro Cinco artistas em Sintra, de Cristino da Silva (1855), do início do romantismo português, revelador das intenções pré-naturalistas desta geração. Os seus ideais românticos, assumidos tardiamente face ao gosto naturalista de Barbizon, de meados do século, associam-se à pintura de paisagem, de costumes populares e de retrato de grupo dos cinco artistas (Tomás da Anunciação, Francisco Metrass, Vítor Bastos, João Cristino da Silva e José Rodrigues). Passagem do gado, de Cristino (1867), situa-se neste cruzamento de referências, exprime sentimentos dramáticos e apresenta a plenitude de uma paisagem real, dimensionada numa panorâmica visão da natureza. Também Tomás da Anunciação regista a luz local e a espontaneidade “verista” de uma actividade agrícola (Na eira, 1861), apesar da dramaticidade exacerbada de um naufrágio de Cristino e da espectacularidade cenográfica de Metrass, em sequências narrativas.

Uma diferenciada narratividade surge, em finais do século, através da fixação de interiores burgueses (Leitura de uma carta, Alfredo Keil, 1874) tal como, ao retrato de afirmação individualista e de elegância aristocrática da Lisboa fontista, sucede o retrato representativo das burguesias em ascensão, captadas por Miguel - Ângelo Lupi. Assente no poder da imagem, o retrato e um incipiente conceito de realismo diluem-se em transições geracionais como elementos reguladores de romantismos e naturalismos.

(M.A.S.)