Entrada Livre

ECHOES on the Wall

Carlos Noronha Feio: "Oikonomia: uma questão de confiança"

2015-05-30
2015-07-05
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Carlos Noronha Feio: Oikonomia: uma questão de confiança

“Oikonomia: uma questão de confiança”

 

Carlos Noronha Feio é o artista que inaugura o ciclo de exposições individuais “ECHOES on the Wall - artistas portugueses no estrangeiro”. Iniciou o seu percurso profissional em 2008, entre Lisboa e Londres, desde então, não mais parou de apresentar o seu trabalho em exposições individuais, coletivas e performances. Esta exposição pretende dar eco ao seu trabalho, cuja linguagem artística tem vindo a abordar questões como a cidadania, identidade, universalismo, com recurso a suportes diversos, vídeo, áudio, instalação, mas também avançando para suportes menos usuais, como sejam tapetes de Arraiolos e lenços de seda.

A presente mostra intitulada “Oikonomia: uma questão de confiança”, vem na senda de um trabalho iniciado por Carlos Noronha Feio em 2012, “Art 4 debt”, e da exposição “A Matter of Trust” de 2014, que colocam a tónica numa temática pertinente no contexto atual, a questão de uma cidadania global e ativa face à dívida pública dos países. 

Oikonomia, é um termo de origem grega que significa a administração e gestão da casa (oikos). Segundo Giorgio Agamben , Oikonomia significava para Aristóteles a praxis que permitia através da atividade enfrentar um problema ou uma situação particular. Todavia este conceito foi posteriormente adotado pela Igreja Católica e trabalhado na trilogia “Pai, Filho e Espírito Santo”, desenvolvendo aquilo que Agamben chama de “Apparatus”. Tal conduziu “a um tipo de formação, por assim dizer que, num dado momento histórico, tem como sua principal função dar resposta a uma urgência. Por isso, o apparatus tem uma função estratégica dominante (…) que aparece na intersecção das relações de poder e relações de conhecimento” 

A transição da Oikonomia para a Economia é fruto dessa exploração das relações de poder e de conhecimento, na lógica de estratégia, em que se inscreve, precisamente, a questão da dívida pública.

Em países como Portugal e Reino Unido, é possível comprar e vender dívida pública no mercado primário. Esse ato individual do cidadão, quando praticado em larga escala, pode ter um peso sobre a economia nacional, dado que a compra ou venda de títulos de dívida pública por particulares é uma ação com influência nos cofres do Estado. Comprar é uma postura de apoio/ solidariedade para com o Estado, a venda o seu inverso. Nesse sentido, traduz uma capacidade de “voto económico”, de manifestação social democrática direta, com

 

 

conotação política, mesmo para cidadãos não nacionalizados e sem poder de voto eleitoral.

A peça central desta exposição é um lenço de seda de 13 metros de comprimento por 1 metro de altura. Este lenço apresenta uma composição gráfica elaborada com símbolos ligados a sítios na internet de venda de dívida pública, em Portugal e em Inglaterra. De Portugal, o cavaleiro a cavalo (imagem de marca dos CTT que vende Títulos do Tesouro e Certificados de Aforro), a rosa-dos-ventos (usado o site do IGCP, Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública em Portugal), as colunas vermelha e verde (do site do Governo de Portugal). De Inglaterra, a castanha no ouriço, os tambores, a parede de tijolos e um still de um vídeo (do site da NS&I, an Executive Agency of the Chancellor of the Excheque). Aos símbolos acrescem várias palavras, expressões, frases: “vendo”, “sell”, “compro”, “buy”; a palavra “voto” e a expressão “voto directo” com e sem acordo ortográfico, em referência à evolução do sistema de escrita; “#transnacional” e “#economical blackmail”, que reportam a possíveis exemplos de palavras-chave para criar ligações em redes sociais como o Twitter e o Instagram; a frase “ Por baixo de toda e qualquer construção existirá sempre uma paisagem”. 

A composição apresenta-se precisamente como uma espécie de paisagem plena de dinâmica, em que alguns símbolos são trabalhados num registo multiplicativo, criando ondas que se entrecruzam em articulação com as palavras manuscritas, anotadas, soltas pelo espaço. O dinamismo compositivo é ainda acentuado pelo jogo de cores, algumas em degradé, onde predominam o vermelho, o azul, o verde e o amarelo sobre fundo branco.

Um jogo gráfico aparentemente lúdico que, na verdade, traça um panorama crítico sobre a atualidade económica dos dois países que servem de referência direta ao artista. Embora a sua atividade fiscal tenha lugar em Inglaterra, como emigrante Carlos Noronha Feio não tem direito a voto político, apenas podendo votar em Portugal onde não vive nem participa ativamente. O trabalho com os lenços é, portanto, uma forma de confrontar esta questão.

A exposição engloba ainda outras duas peças. Uma que evoca a questão da transnacionalidade e da abolição das fronteiras, através de uma criação sonora que junta hinos nacionais em compasso acelerado, criando uma cacofonia indecifrável e uma melodia una. A outra, funciona como uma pauta de imagens e signos digitalizados e impressos em papel, correspondente à coleção de divisas de emergência, alternativas, de artista, de guerra, que o artista foi juntando e que servem de referência ao seu trabalho.

 

Adelaide Ginga