No atelier

, c. 1916

Aurélia de Sousa

Óleo sobre tela

55 × 48 cm
assinado
Inv. 279
Historial
Adquirido pelo Estado em 1916.

Exposições
Macau, 1986; Queluz, 1989, 68; Lisboa, 1916, 197; Lisboa, 1977, p.b.; Porto, 1992; Lisboa, 1994, 32, cor; Almada, 2001, 6, cor; Lisboa, 2005; Lisboa, 2010.

Bibliografia
PAMPLONA, 1954, vol. IV; Lisboa, 1965, 46, p.b.; Dicionário da Pintura Universal: Pintura Portuguesa, 1973, vol. 3, 388; Lisboa, 1977, 43, p.b.; Lisboa, 1986, 117, cor; Lisboa, 1992, 79, cor; SILVA, 1994, 105, cor; O rosto da máscara: A auto-representação, 1994, 109, cor; PEREIRA, 1995, 347 – 48; Almada, 2001, 101, cor.
Nos anos em que Aurélia de Souza pintou este Auto-retrato – talvez o último, seis anos antes de morrer com 56 anos – definitivamente isolada no espaço bastante fantasmático da Quinta da China, o tempo de Guerra havia trazido o Modernismo a Lisboa e Amadeo de Souza-Cardoso realizava escandalosas exposições no Porto e em Lisboa.
A autora que, numa série excepcional de auto-retratos, pontuando o melhor da sua carreira, gostara de se olhar frontal ao espelho, representando-se o rosto como objecto particular – e prosaico – de pintura, esconde-se agora, mascarando-se não de si mesma, nem dos amados atavios femininos, mas da recordação pictórica do Goya do frontispício dos Caprichos. Nessa célebre gravura, que ela sem dúvida conhecia, o primeiro dos românticos ibéricos isolava-se, na mesma postura, rosto escondido entre os braços, deixando voar à sua volta os monstros que justificavam a máxima da colectânea: “O sono da razão produz monstros”. À conveniente leitura iluminista da época, o pintor pretenderia alertar para a necessidade de despertar a razão e afastar os monstros da ignorância. Mas se se pensar no Goya das Pinturas negras, deve considerar-se que ele se detinha também no seu próprio sono / sonho e nesse território ainda proibido que, quase com comprazimento, devorava pretensões monistas pela libertação do inconsciente.
Pintura subtilíssima que faz nascer a ténue luz do trabalho das sombras e reduz o espectro cromático ao timbrismo repetido, espécie de rima, alourada às vezes, inesperadamente verde transparente na túlipa do candeeiro que vela.
Goya ou Rembrandt que a pintora tanto admirara na viagem à Holanda, a sua poética remete também para figuras portuenses: António Carneiro, que em vez dos castanhos negros preferia os violetas claros mas que, como Aurélia, se afasta do mundo naturalista e recusa o modernismo com idênticos e sonambulares gestos. Ou, mais retirado, e mais extremo, o universo saudosista de Teixeira de Pascoais, detido nas palavras excessivas de uma poesia sagrada.

Raquel Henriques da Silva