Sala Polivalente

entrada: Condições Gerais

Homenagem à geometria

2023-05-05
2023-08-27

Inauguração - 5 de Maio às 21h - SALA POLIVALENTE

A graça e o pomo de oiro

A joalharia, arte híbrida entre desenho, escultura, pintura, arquitetura e design, faz a sua entrada no Museu Nacional de Arte Contemporânea, depois de mais de um século de existência do museu, pela mão de uma artista que a cultiva há exatamente seis décadas — Kukas. Esta estreia absoluta na apresentação de uma arte, no mínimo, irrequieta de tão atenta ao seu tempo, é tanto mais significativa quanto Kukas não é apenas uma cultora da joalharia. Foi a primeira autora a renovar a linguagem formal desta arte, em Portugal. No início da década de 1960, inspirada primeiro na sua formação parisiense, foi também incontornável a sua descoberta da joalharia nórdica. Esta, acompanhando a renovação dos modos de viver no pós-guerra, as novas exigências de quotidianos mais despojados e esteticamente mais depurados, revolucionou a vida doméstica.

A joalharia haveria de mostrar o repensamento da relação com o corpo e com a identidade de quem a escolhia. Mais do que um símbolo estatutário, social, a joalharia transforma-se num reflexo de natureza íntima de quem a usa. E, se esta arte, em Portugal, vive também do cruzamento de linguagens e territórios; se o próprio conceito de jóia se transformou, muito devemos a Kukas. As suas jóias, os seus objetos, procuram encontros. A mediação de que a autora fala, e que é esse laço invisível entre a criadora e quem vai usufruir das suas criações. Mais do que o estatuto é, portanto, o usufruto, o prazer de encontrar um adorno ou objeto que evoque algo, que ressoe um lugar demiúrgico ou narrativo, o que Kukas propõe.

Ela própria sujeito de uma pintura (As três Graças, de Nikias Skapinakis, por feliz acaso também com coleção pessoal — “Os Nikias do Nikias” — patente no MNAC, em calendário parcialmente coincidente), Kukas fez-nos olhar para o corpo de uma forma nova, ao questionar as formas que o envolviam e ressignificavam. Manteve, é certo, os materiais clássicos. Os metais e pedras preciosas, os âmbares, as pérolas. Mas pode-se tomar o mundo tal e qual ele é e transformá-lo por inteiro. E assim fez a artista. Pegou nas muitas tradições com as quais a joalharia sempre se (con)fundiu e remodelou-as, trazendo-as para a contemporaneidade com exigências diversas, ruturas concretas e com o gosto absoluto do pleno conhecimento técnico, do prazer da geometria, das texturas, da modelação, da escala, da interpenetração da luz, das transparências e da organicidade. Na sua grande retrospetiva no MUDE, há mais de uma década, os textos de Bárbara Coutinho e de Cristina Filipe traçaram todos esses dados relevantes da obra de Kukas. A tentação pictórica, escultórica e também arquitetónica. O movimento dado a matérias sólidas e a incontornável importância da luz. O valor dado à relação entre a jóia e o corpo com o qual dança. O impulso da monumentalidade.

Sem dúvida, na sua obra cabem o ornamento e a casa, o mundo exterior e interior ao ser, a paisagem  e o detalhe. Clássica, muito clássica nas formas e na tentação escultural, por vezes arquitetónica, de adornos e de objetos, a obra de Kukas troa no espaço. Nunca é silenciosa, nem temorosa — antes temerária. Por isso, tivera Páris o árduo desafio de escolher a graça à qual dar a maçã de oiro, o pomo, sem dúvida alguma, seria reclamado por Kukas e daí não viria discórdia, já que ninguém duvidaria ser-lhe devido o metal precioso e esse pomo simbólico que ficaria também ligado ao conhecimento.

Devo a Raquel Henriques da Silva ter-me apresentado Kukas, que só conhecia pela obra. E foi então que soube do seu sonho antigo de expor no MNAC. Assim se semeou esta ideia que agora toma corpo, com o generoso e incontornável envolvimento de Filipa Fortunato,  e com a curadoria de Raquel Henriques da Silva, às quais manifesto o meu agradecimento. Esta exposição é, por duas razões, um momento particularmente festivo para o museu. Não apenas pela primeira entrada da joalharia na história expositiva do MNAC, mas também porque se inaugura no dia em que Kukas cumpre 95 anos de vida. Apresentando obra nova, tal como ela sonhou e afirmou publicamente quando, em 2021, participou nos Depoimentos de Artistas, para o MNAC, como sempre, a autora evoca o seu gosto pelos materiais perenes, por formas que mergulham no tempo. E, como sempre, faz do devir — a respiração de quase um século de vida e mais de meio século de obra — o seu território.

Emília Ferreira

Lisboa, Abril de 2023

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Sobre a artista

Kukas (1928) realizou a sua primeira exposição em 1963, na galeria Diário de Notícias, no Chiado, em Lisboa. Sessenta anos passados, Kukas volta ao Chiado, expondo no Museu Nacional de Arte Contemporânea.

Após a formação em Decoração de Interiores, na École Supérieure des Arts Modernes, em Paris, na década de 1960, Kukas descobre a joalharia nórdica, que influenciaria profundamente o seu trabalho. Ao longo das seis décadas de actividade, a artista mostrou a sua obra em diversas exposições colectivas e individuais, nacionais e internacionais, destacando-se a participação na Bienal de Arte de São Paulo e numa exposição no Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, em 1977; na Europália, em 1991; a grande mostra individual no MUDE – Museu do Design e da Moda, Lisboa (2012); e, mais recentemente, a participação na colectiva de Joalharia Contemporânea em Portugal, Fundação Calouste Gulbenkian, em 2019.

Precursora do design de joalharia de autor em Portugal continua, ao fim de 60 anos de carreira, "habitada” pelos materiais aos quais dá forma. 

Esta exposição conta com o apoio da Casa Fortunato, representante da marca Kukashttps://kukas.pt/kukas-by-casa-fortunato/

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No dia 10 de Maio de 2023, pelas 18h30, será apresentada no MNAC a segunda edição revista e aumentada da obra Joalharia Contemporânea em PortugalDas vanguardas de 1960 ao início do século XXI, da autoria de Cristina Filipe .
Este trabalho, que recebeu a Susan Beech Midle Career Artist Grant traça a evolução da joalharia contemporânea em Portugal, dos anos 60 aos inícios do séc. XXI, abordando as principais figuras intervenientes neste processo e as diversas correntes que emergiram ao longo desse percurso.

Cristina Filipe é natural de Lisboa, onde vive e trabalha. Desenvolve actividade como artista, professora e investigadora. Estudou no Ar.Co – Centro de Arte e Comunicação Visual, na Academia Gerrit Rietveld, no Royal College of Art, no Surrey Institute of Art and Design, onde terminou mestrado em 2001, e na Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa, onde concluiu doutoramento em 2018. Foi Bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian e da Fundação para a Ciência e Tecnologia. É co-fundadora da PIN – Associação Portuguesa de Joalharia Contemporânea e sua Presidente desde a fundação em 2004 até  final de janeiro de 2023. Expõe o seu trabalho desde 1986. Ganhou o Jungent Gestalt Prize (1989) e o I Prémio no Concurso Jovens Criadores (1990) entre outros.